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Colaborador: Vitor Mascarenhas Vieira

Índice
Reologia Aplicada à Formulação de Sabonetes Líquidos

Reologia Aplicada à Formulação de Sabonetes Líquidos

Um Guia Técnico para o Controle de Viscosidade, Percepção Sensorial e Estabilidade

Introdução: O Desafio da Estabilidade e do Desempenho na Limpeza de Oficinas

O ambiente de uma oficina automotiva apresenta um desafio de limpeza único e formidável. As superfícies estão frequentemente contaminadas com uma matriz de sujidade complexa, que inclui uma mistura de óleos de motor, fluidos hidráulicos, graxas, depósitos de carbono, fuligem de estrada e partículas metálicas finas.1 Esta combinação tenaz de contaminantes polares e apolares torna os produtos de limpeza genéricos largamente ineficazes, exigindo formulações especializadas e de alto desempenho.

No centro do desenvolvimento desses produtos está um dilema fundamental de formulação: o delicado equilíbrio necessário para criar um desengraxante eficaz. Um solvente potente por si só pode dissolver a graxa, mas pode não ser enxaguável com água, deixando um resíduo oleoso. Por outro lado, um surfatante forte pode não conseguir penetrar em camadas espessas e viscosas de sujidade. A sinergia entre solventes e surfatantes é, portanto, a chave para o sucesso. No entanto, essa sinergia é constantemente ameaçada pela incompatibilidade química, que leva a falhas comuns do produto, como separação de fases (manifestada como turvação), eficácia de limpeza reduzida e baixa estabilidade em prateleira.4

Este relatório tem como objetivo equipar o formulador com os princípios fundamentais e as ferramentas práticas necessárias para navegar nas complexidades das interações entre surfatantes e solventes. Ao delinear os mecanismos moleculares, as estratégias de seleção de componentes e as técnicas avançadas de formulação, este guia fornecerá um roteiro para o desenvolvimento de desengraxantes para oficinas que não são apenas potentes, mas também estáveis e seguros.

1 A Natureza da Viscosidade em Sistemas Tensoativos

1.1 Definição de Viscosidade e Reologia: Além da Simples "Espessura"

No desenvolvimento de sabonetes líquidos e outros produtos de cuidado pessoal, o controle da viscosidade é um parâmetro fundamental que transcende a noção simplista de "espessura". A viscosidade é, por definição física, a medida da resistência interna de um fluido ao escoamento ou à deformação quando submetido a uma força.1 É a propriedade que quantifica se um produto se comporta de maneira mais "grossa" ou mais "fluida".4 No entanto, para o formulador de cosméticos, a compreensão deve ir além, adentrando o campo da reologia.

A reologia é a ciência que estuda a deformação e o fluxo da matéria sob a influência de tensões externas, englobando não apenas a viscosidade, mas também a elasticidade e a plasticidade dos materiais.5 Em sistemas complexos como os sabonetes líquidos, que são soluções aquosas de tensoativos formando estruturas micelares, a reologia descreve como o produto se comportará em diferentes cenários: em repouso no frasco, ao ser dispensado por uma válvula pump, ao ser espalhado entre as mãos e durante o enxágue. Portanto, o objetivo do formulador não é meramente "engrossar" o produto, mas sim projetar um perfil reológico específico que otimize cada etapa da experiência do consumidor e garanta a integridade do produto.

1.2 A Importância Multifacetada da Viscosidade

A viscosidade é uma propriedade central que interliga múltiplos domínios da qualidade de um produto, desde sua estabilidade físico-química até seu sucesso comercial. Um controle inadequado deste parâmetro pode resultar em falhas catastróficas em diversas frentes. A sua importância pode ser categorizada em quatro áreas principais:

  • Estabilidade da Formulação: Uma viscosidade adequadamente ajustada é crucial para manter a homogeneidade do produto ao longo do tempo. Ela previne a separação de fases, como a de água e óleo em formulações mais complexas, e impede a sedimentação de partículas insolúveis, como agentes esfoliantes, pigmentos ou ativos encapsulados.4 Um produto com viscosidade muito baixa pode apresentar decantação de ingredientes, enquanto uma viscosidade excessiva pode mascarar instabilidades que só se tornam aparentes com o tempo.
  • Experiência do Usuário e Percepção Sensorial: Este é, talvez, o aspecto mais diretamente percebido pelo consumidor. A viscosidade dita a textura, a consistência e a sensação do produto durante a aplicação.4 Um sabonete com uma reologia bem projetada proporciona uma sensação de riqueza e cremosidade, espalha-se de forma uniforme e controlada nas mãos e transmite uma percepção de qualidade e luxo.8
  • Desempenho do Produto e Liberação de Ativos: A reologia da formulação influencia diretamente sua eficácia. Uma viscosidade otimizada garante um tempo de contato adequado com a pele, permitindo que os agentes de limpeza atuem eficientemente. Em sabonetes que contêm ingredientes ativos (hidratantes, antimicrobianos, etc.), a viscosidade ajustada promove uma aplicação uniforme e pode modular a taxa de liberação e absorção desses ativos pela pele ou cabelo.4
  • Identidade do Produto e Processos de Fabricação: A viscosidade é um elemento chave da identidade de um produto, ajudando a diferenciar uma loção de limpeza leve de um sabonete em gel denso.4 Além disso, o controle reológico é vital para a eficiência industrial. Uma viscosidade consistente e previsível é essencial para otimizar processos de bombeamento, mistura e, crucialmente, o envase em alta velocidade, evitando problemas como formação de fios, gotejamento ou enchimento incorreto das embalagens.4

1.3 Comportamento de Fluxo: Fluidos Newtonianos vs. Não-Newtonianos em Sabonetes Líquidos

A compreensão do comportamento de fluxo é essencial para o design de formulações cosméticas. Os fluidos podem ser classificados em duas grandes categorias: newtonianos e não-newtonianos.

  • Fluidos Newtonianos: São fluidos cuja viscosidade permanece constante independentemente da taxa de cisalhamento (força) aplicada. A água e óleos minerais simples são exemplos clássicos.3 Se a força para escoar a água for duplicada, sua velocidade de escoamento também duplicará, mas sua viscosidade intrínseca não se alterará.
  • Fluidos Não-Newtonianos: A grande maioria dos produtos de cuidado pessoal, incluindo sabonetes líquidos, shampoos e cremes, exibe um comportamento não-newtoniano.3 Nesses sistemas, a viscosidade aparente muda em resposta à força aplicada. O tipo mais comum e desejável em sabonetes líquidos é o comportamento pseudoplástico, também conhecido como shear-thinning.6

O comportamento shear-thinning significa que a viscosidade do produto diminui à medida que a taxa de cisalhamento aumenta. Esta propriedade não é um efeito colateral indesejado, mas sim um objetivo de design deliberado e altamente funcional. A lógica por trás disso é a seguinte:

  • Em Repouso (Baixo Cisalhamento): Dentro da embalagem, o sabonete líquido está sujeito a forças mínimas (apenas a gravidade). Nessa condição, ele exibe alta viscosidade, o que garante a estabilidade da formulação, suspende partículas e confere uma aparência rica e consistente.6
  • Durante o Uso (Alto Cisalhamento): Ao ser bombeado para fora do frasco, espremido de um tubo ou espalhado entre as mãos, o produto é submetido a altas taxas de cisalhamento. Sua estrutura interna se reorganiza temporariamente, a viscosidade diminui drasticamente, e ele se torna fluido e fácil de espalhar.6
  • Após a Aplicação (Retorno ao Baixo Cisalhamento): Uma vez que a força cessa, o produto idealmente recupera parte de sua viscosidade, permitindo que permaneça na pele durante a lavagem sem escorrer imediatamente.

Este perfil reológico sofisticado permite que um único produto atenda a requisitos aparentemente conflitantes: estabilidade no armazenamento e facilidade de uso na aplicação. A reologia, portanto, é a ferramenta que permite ao formulador projetar a funcionalidade do produto em cada etapa de sua vida útil.

1.4 Metodologias de Medição e Controle de Qualidade

A medição precisa e reprodutível da viscosidade é a espinha dorsal do controle de qualidade (CQ) na produção de sabonetes líquidos. Sem um controle rigoroso, é impossível garantir a consistência entre diferentes lotes de produção, o que pode levar a reclamações de consumidores e à perda de confiança na marca.9

O equipamento padrão para esta tarefa é o viscosímetro, sendo o do tipo rotacional o mais comum na indústria cosmética.1 Este dispositivo funciona imergindo um eixo (conhecido como spindle) no fluido e medindo o torque (resistência) necessário para girá-lo a uma velocidade constante. A viscosidade é calculada a partir dessa resistência.1

Para obter dados significativos e comparáveis, é imperativo estabelecer um protocolo de medição padronizado, controlando variáveis críticas que influenciam a viscosidade:

  • Temperatura: A viscosidade é extremamente sensível à temperatura. Um aumento de apenas alguns graus Celsius pode reduzir significativamente a viscosidade de um sabonete líquido.6 Todas as medições devem ser realizadas em uma temperatura controlada e especificada, geralmente 25 °C.
  • Spindle e Velocidade: A escolha do spindle (que varia em tamanho e geometria) e da velocidade de rotação (RPM) deve ser consistente. Para fluidos shear-thinning, a viscosidade medida será diferente em diferentes velocidades. Medir a viscosidade em múltiplas velocidades pode ajudar a caracterizar o perfil reológico do produto.
  • Tempo de Medição: Muitos sistemas levam tempo para atingir o equilíbrio sob cisalhamento. A leitura deve ser feita após um tempo padronizado (por exemplo, 60 segundos) para garantir que a estrutura do fluido se estabilizou.

Além de ser uma ferramenta de CQ para produtos acabados, o monitoramento da viscosidade ao longo de estudos de estabilidade serve como um indicador preditivo de problemas latentes. Pequenas variações de viscosidade ao longo do tempo, mesmo que o produto pareça visualmente estável, podem ser o primeiro sinal de degradação da rede polimérica ou de alterações na estrutura micelar, antecipando problemas futuros como a separação de fases.4

2 A Psicofísica da Textura: Decodificando a Percepção Sensorial da Viscosidade

2.1 A Conexão Intrínseca entre Dados Reológicos e a Experiência do Consumidor

A reologia serve como uma ponte crucial entre os dados quantitativos gerados no laboratório e a experiência qualitativa e subjetiva do consumidor. A aceitação de um sabonete líquido pelo mercado depende profundamente da percepção sensorial que ele evoca, e essa percepção é largamente ditada por suas propriedades de fluxo e deformação.12 Parâmetros como viscosidade, textura e consistência influenciam diretamente a sensação do produto na pele e a facilidade de aplicação, tornando-se um diferencial competitivo decisivo.4

A reometria moderna permite que os formuladores não apenas meçam, mas também prevejam e projetem a experiência do usuário. Ao caracterizar o comportamento de um produto sob diferentes taxas de cisalhamento, é possível simular as condições de uso: a baixa força em repouso, a força moderada ao ser vertido da embalagem, e a alta força ao ser espalhado na pele.10 Essa análise permite otimizar a formulação para proporcionar uma sensação agradável em cada uma dessas etapas, reduzindo a necessidade de painéis de consumidores extensos e caros e acelerando o tempo de desenvolvimento de novos produtos.10

2.2 Atributos Sensoriais Chave: "Riqueza", Cremosidade, Espalhabilidade e "Clean Feel"

O vocabulário sensorial utilizado para descrever produtos de limpeza líquidos é rico e pode ser correlacionado a parâmetros reológicos específicos. Compreender essa correlação é fundamental para traduzir os desejos do marketing em especificações técnicas de formulação.

  • Riqueza e Cremosidade: Produtos percebidos como "ricos", "cremosos" ou "luxuosos" geralmente possuem uma alta viscosidade em baixas taxas de cisalhamento (em repouso ou durante um fluxo lento).6 Essa alta viscosidade inicial transmite uma sensação de concentração e qualidade. A consistência, definida como a "firmeza" ou "espessura" do produto, é um dos primeiros atributos avaliados pelo consumidor.9
  • Espalhabilidade (Spreadability): Refere-se à facilidade com que o produto se distribui sobre a superfície da pele. Uma boa espalhabilidade está diretamente ligada a um comportamento shear-thinning pronunciado.12 O produto deve transicionar de uma alta viscosidade para uma baixa viscosidade rapidamente sob a força da aplicação, permitindo uma cobertura fácil e uniforme sem exigir esforço excessivo.
  • Sensação de Resíduo e "Clean Feel": Após a aplicação e o enxágue, a sensação residual na pele é crítica. Alguns modificadores de reologia podem deixar uma sensação pegajosa ou gomosa, o que é geralmente indesejável em sabonetes.14 O objetivo é alcançar um "clean feel", uma sensação de limpeza sem resíduos. Este atributo está relacionado não apenas à viscosidade, mas também ao tipo de fluxo (curto vs. longo) e à natureza química do espessante utilizado.

2.3 Como a Viscosidade Influencia a Percepção de Qualidade, Luxo e Eficácia

A viscosidade é uma das primeiras e mais poderosas pistas sensoriais que o consumidor utiliza para formar um julgamento sobre a qualidade e a eficácia de um sabonete líquido. Essa associação psicológica é tão forte que pode sobrepor-se ao desempenho real do produto.

Muitos consumidores associam, de forma intuitiva, uma maior viscosidade a um maior poder de limpeza e a uma formulação mais concentrada e de maior qualidade.8 Embora a capacidade de limpeza dependa primariamente do tipo e da concentração dos tensoativos, e não do espessante, essa percepção é um fator de mercado inegável.15 Um sabonete líquido com baixa viscosidade é frequentemente percebido como "aguado", "barato" ou de baixa qualidade, mesmo que sua formulação seja altamente eficaz.15

A reologia, portanto, funciona como uma linguagem de marketing não verbal. Antes mesmo de ler o rótulo ou avaliar a fragrância, o consumidor interage com a textura do produto. Um sabonete "hidratante intensivo" deve ter uma viscosidade mais elevada e um fluxo mais cremoso para comunicar sua proposta de valor. Em contrapartida, um sabonete "refrescante e energizante" pode ter uma viscosidade ligeiramente menor e uma textura de gel mais leve. O formulador manipula a reologia para alinhar as expectativas sensoriais do consumidor com a mensagem da marca.

Além disso, uma viscosidade adequada ajuda no controle da dosagem. Um produto que flui de maneira controlada da embalagem evita o desperdício, reforçando a percepção de valor e eficiência.8

Essa forte conexão entre espessura e eficácia percebida apresenta um desafio para os formuladores que desenvolvem produtos mais suaves, como os "sulfate-free", que são intrinsecamente mais difíceis de espessar com eletrólitos simples. Nesses casos, a adição de modificadores de reologia poliméricos torna-se essencial não apenas para a estabilidade, mas também para atender às expectativas psicológicas do consumidor, garantindo que o produto não seja rejeitado por parecer "fraco".

2.4 Análise de Fluxo Curto vs. Longo e seu Impacto no Uso

O comportamento de fluxo de um produto, descrito como "curto" ou "longo", é outra característica reológica crucial que impacta a experiência do usuário.

  • Fluxo Curto (Short Flow): Caracteriza-se por um fluido que se quebra de forma limpa quando vertido ou retirado de um recipiente. Ele não forma "fios" ou "caudas". Géis formulados com carbômeros são exemplos clássicos de sistemas com fluxo curto.18 Este tipo de fluxo é frequentemente associado a uma sensação de limpeza, leveza e ausência de pegajosidade. É altamente desejável para sabonetes líquidos, géis de limpeza facial e álcool em gel, onde uma quebra limpa do produto é esteticamente agradável e funcional.
  • Fluxo Longo (Long Flow ou "Stringy"): Refere-se a um fluido que tende a formar fios ou "baba" ao ser manuseado. É um comportamento típico de algumas gomas naturais, como a goma xantana, quando usadas em altas concentrações.14 Embora um fluxo ligeiramente mais longo possa ser percebido como rico e hidratante em loções ou cremes, em um sabonete líquido, um fluxo excessivamente longo é geralmente considerado indesejável, associado a uma sensação pegajosa e difícil de enxaguar.

A escolha do agente espessante é o principal fator que determina se o fluxo será curto ou longo. O formulador deve selecionar o modificador de reologia não apenas pela viscosidade que ele proporciona, mas também pelo tipo de textura e comportamento de fluxo que ele confere ao produto final, alinhando-o com a aplicação e a percepção sensorial desejada.

3 Mecanismos Fundamentais de Espessamento

O aumento da viscosidade em sabonetes líquidos é alcançado através da manipulação da microestrutura da formulação. Existem diversos mecanismos para atingir esse objetivo, cada um operando com base em princípios físico-químicos distintos. Compreender esses mecanismos é a chave para selecionar o espessante correto e otimizar seu desempenho.

3.1 A Curva de Sal: Otimizando o Uso de Eletrólitos

O método mais comum e economicamente vantajoso para espessar sistemas baseados em tensoativos aniônicos, como o Lauril Éter Sulfato de Sódio (SLES), é a adição de um eletrólito simples, como o cloreto de sódio (NaCl).20 O mecanismo de ação não reside no sal em si, mas na sua interação com as estruturas formadas pelos tensoativos: as micelas.

Em solução aquosa, acima de uma determinada concentração (a Concentração Micelar Crítica - CMC), as moléculas de tensoativo se auto-organizam em agregados esféricos chamados micelas, com as "caudas" hidrofóbicas voltadas para o interior e as "cabeças" hidrofílicas e carregadas negativamente (no caso de tensoativos aniônicos) voltadas para a água.17 Essas micelas esféricas são relativamente pequenas e fluem facilmente, resultando em uma solução de baixa viscosidade.

Quando o NaCl é adicionado, ele se dissocia em íons Na+ e Cl-. Os cátions Na+ são atraídos para as cabeças aniônicas das micelas, blindando parcialmente suas cargas negativas. Essa blindagem reduz a repulsão eletrostática entre as cabeças dos tensoativos dentro da micela.22 Com a repulsão diminuída, as moléculas de tensoativo podem se empacotar de forma mais compacta, favorecendo uma transição geométrica das micelas esféricas para estruturas cilíndricas alongadas, frequentemente descritas como micelas vermiformes (worm-like micelles).17 Essas longas e flexíveis micelas se emaranham umas nas outras, formando uma rede tridimensional transitória que impede o fluxo do solvente (água), resultando em um aumento significativo da viscosidade.

O Ponto de Saturação e o Fenômeno de "Salting Out"

O efeito do sal na viscosidade não é linear. À medida que a concentração de NaCl aumenta, a viscosidade sobe até atingir um ponto máximo. Após esse pico, a adição de mais sal provoca uma queda abrupta e, muitas vezes, dramática na viscosidade.17 Este fenômeno é conhecido como "salting out" ou superssalinidade.

A explicação para essa queda reside no balanço delicado de forças intermoleculares. Em concentrações excessivas de sal, a alta força iônica da solução comprime a dupla camada elétrica que envolve as micelas. Essa compressão reduz a barreira repulsiva de longo alcance entre as micelas, permitindo que as forças atrativas de van der Waals, de curto alcance, se tornem dominantes.17 Isso pode levar a dois resultados que diminuem a viscosidade:

  • Agregação e Colapso: As micelas podem se agregar de forma desordenada e precipitar (causando turvação) ou colapsar a rede, liberando a água aprisionada.26
  • Formação de Estruturas Ramificadas: Em vez de se alongarem, as micelas vermiformes podem começar a formar ramificações. Essas estruturas ramificadas são menos eficientes em construir viscosidade do que as lineares e emaranhadas, pois possuem mais vias para o relaxamento de tensões.24

Análise Gráfica Detalhada da Curva de Sal

A relação entre a concentração de sal e a viscosidade é visualmente representada pela "curva de sal", um gráfico essencial para qualquer formulador. O gráfico, que plota a Viscosidade (em centipoise, cP) no eixo Y versus a Concentração de NaCl (em % p/p) no eixo X, exibe um formato característico de sino assimétrico:

  • Região Ascendente: No início, com baixas concentrações de sal (geralmente de 0% a um pico em torno de 2-4%, dependendo do sistema), a viscosidade aumenta de forma acentuada. Esta é a região de trabalho ideal, onde o sal está promovendo eficientemente o crescimento das micelas vermiformes.
  • Pico de Viscosidade Máxima: A curva atinge um ponto máximo, que representa a concentração ótima de sal para aquele sistema tensoativo específico. Neste ponto, a rede micelar está em sua configuração mais eficiente para imobilizar a água.
  • Região Descendente (O "Lado Errado da Curva"): Imediatamente após o pico, a curva desce abruptamente. Qualquer adição de sal nesta região resultará em uma perda de viscosidade. É crucial para o processo de fabricação garantir que a concentração final de sal permaneça na região ascendente e, de preferência, com uma margem de segurança antes do pico. Uma curva de sal com um platô largo perto do pico é mais robusta e desejável para a manufatura, pois tolera pequenas variações no processo sem grandes perdas de viscosidade.25

3.2 Modificadores Poliméricos Sintéticos: O Caso do Carbômero

Os carbômeros (nomes comerciais incluem Carbopol®) são uma família de polímeros sintéticos de alto peso molecular, compostos por ácido acrílico reticulado.18 Eles são fornecidos como um pó branco, leve e ácido, e são extremamente eficientes como agentes espessantes e de suspensão em sistemas aquosos.28

O mecanismo de espessamento do carbômero é um processo de duas etapas que depende fundamentalmente do pH30:

  • Dispersão e Hidratação: A primeira etapa consiste em dispersar o pó de carbômero na água. Neste estágio, em pH ácido (tipicamente 2.8 a 3.3), as moléculas do polímero permanecem firmemente enroladas em uma conformação globular devido às ligações de hidrogênio internas.29 A solução apresenta baixa viscosidade, o que facilita a mistura e a incorporação de outros ingredientes. Uma dispersão adequada é crucial para evitar a formação de aglomerados (conhecidos como "olhos de peixe"), que não se hidratarão completamente e reduzirão a eficiência do espessamento.30
  • Neutralização e Desenrolamento: A segunda e crucial etapa é a neutralização. A adição de uma base, como trietanolamina (TEA) ou hidróxido de sódio (NaOH), aumenta o pH da solução.32 À medida que o pH sobe para a faixa de 5.5 a 8.0, os grupos de ácido carboxílico (-COOH) ao longo da cadeia polimérica são neutralizados, ionizando-se para formar grupos carboxilato (-COO-). A repulsão eletrostática entre essas cargas negativas recém-formadas força as cadeias poliméricas a se desenrolarem e se expandirem drasticamente. Essa expansão massiva da rede polimérica aprisiona e imobiliza as moléculas de água, resultando em um aumento exponencial da viscosidade e na formação de um gel claro e estável.18

Este mecanismo oferece um controle preciso ao formulador, mas também torna o sistema sensível. A viscosidade de um gel de carbômero cairá significativamente se o pH se desviar para fora da faixa ótima (abaixo de 5.5 ou acima de 11) ou na presença de altos níveis de eletrólitos, que podem blindar as cargas e fazer com que a rede polimérica se contraia.19

3.3 Modificadores Poliméricos de Origem Natural: O Papel da Hidroxietilcelulose (HEC)

A Hidroxietilcelulose (HEC) é um polímero não iônico, solúvel em água, derivado da celulose, uma fonte natural e renovável.36 Diferente do carbômero, o HEC não requer neutralização para espessar e é funcional em uma ampla faixa de pH, tipicamente de 2 a 12.36

Seu mecanismo de ação baseia-se em fenômenos físicos de interação com a água, em vez de repulsão iônica:

  • Ligação de Hidrogênio: As cadeias de HEC possuem numerosos grupos hidroxila (-OH) e hidroxietil (-O-CH2CH2OH). Esses grupos formam uma extensa rede de ligações de hidrogênio com as moléculas de água circundantes. Essa forte hidratação "organiza" e estrutura a fase aquosa, reduzindo a mobilidade das moléculas de água e, consequentemente, aumentando a viscosidade do sistema.40
  • Emaranhamento Físico de Cadeias: À medida que a concentração de HEC na solução aumenta, suas longas cadeias poliméricas começam a se sobrepor e se emaranhar. Isso cria uma rede física tridimensional, semelhante a um novelo de lã, que aprisiona mecanicamente as moléculas de água e oferece resistência ao fluxo.42 A eficácia deste mecanismo depende do peso molecular do HEC: graus de peso molecular mais altos formam redes mais robustas e proporcionam maior viscosidade em concentrações mais baixas.40

A natureza não iônica do HEC confere-lhe uma robustez notável. Sua performance é muito menos afetada pela presença de sais e outros eletrólitos em comparação com sistemas espessados por sal ou carbômeros.36 Isso o torna uma escolha excelente para formulações complexas, como sabonetes "sulfate-free" ou produtos contendo altos níveis de extratos botânicos, que frequentemente introduzem eletrólitos que desestabilizariam outros sistemas de espessamento.

3.4 Sinergia entre Tensoativos: A Co-formulação Inteligente

Uma estratégia de espessamento altamente eficaz e elegante envolve a combinação sinérgica de diferentes tipos de tensoativos. Especificamente, a associação de um tensoativo aniônico primário (como SLES) com um tensoativo anfótero (como a Cocoamidopropil Betaína - CAPB) pode aumentar significativamente a viscosidade da formulação, muitas vezes com uma necessidade menor de sal.15

Os tensoativos anfóteros, que possuem cargas positivas e negativas em sua molécula dependendo do pH, não são particularmente eficazes como espessantes quando usados isoladamente.46 No entanto, quando combinados com tensoativos aniônicos, eles se inserem nas micelas. A cabeça da betaína, com sua carga positiva (em pH ligeiramente ácido a neutro) e negativa, posiciona-se entre as cabeças aniônicas do SLES. Isso atua como um "espaçador" que neutraliza parcialmente a repulsão entre as cargas negativas, promovendo o empacotamento mais denso das moléculas e facilitando a transição de micelas esféricas para vermiformes, mesmo com uma menor concentração de eletrólitos.25

Essa sinergia oferece múltiplos benefícios:

  • Aumento da Eficiência do Sal: A curva de sal é deslocada para a esquerda, o que significa que a viscosidade máxima é alcançada com uma concentração menor de NaCl.25
  • Aumento da Viscosidade Máxima: Em muitos casos, a viscosidade de pico alcançada pelo sistema misto é superior àquela do tensoativo aniônico isolado.25
  • Melhora da Qualidade da Espuma: A combinação frequentemente resulta em uma espuma mais densa, cremosa e estável.45
  • Redução da Irritabilidade: Os tensoativos anfóteros são conhecidos por sua suavidade e por mitigar o potencial de irritação dos tensoativos aniônicos.48

A escolha do mecanismo de espessamento, portanto, não se limita a selecionar um aditivo. É um exercício de engenharia molecular, onde a compreensão das interações entre sal, polímeros e os próprios tensoativos permite ao formulador construir a arquitetura reológica desejada para o produto final.

4 Dosagem, Fatores Críticos e Otimização da Formulação

Atingir a viscosidade alvo em um sabonete líquido requer mais do que apenas a escolha do espessante correto; exige uma dosagem precisa e o controle de diversas variáveis críticas que podem influenciar a reologia final do produto. A otimização da formulação é um processo iterativo que deve considerar as interações complexas entre todos os ingredientes.

4.1 Estratégias de Dosagem para Diferentes Classes de Espessantes

As concentrações de uso dos espessantes variam amplamente dependendo de sua eficiência e do perfil reológico desejado. As faixas a seguir servem como um ponto de partida para o desenvolvimento:

  • Cloreto de Sódio (NaCl): Tipicamente, a dosagem varia entre 1% e 4% em peso.15 É fundamental realizar uma curva de sal para cada base de tensoativo, pois a concentração ótima pode variar significativamente. A adição deve ser feita de forma lenta e controlada, preferencialmente como uma solução pré-diluída, para evitar picos de concentração local que possam levar ao "salting out".22
  • Carbômero: Este polímero é altamente eficiente, com níveis de uso típicos variando de 0.1% a 0.5% para sabonetes líquidos e loções.18 Para géis mais espessos, como os de cabelo ou álcool em gel, a concentração pode chegar a 1.0% ou mais, até 2.5%.33 A dosagem exata dependerá do grau específico do carbômero e da viscosidade final desejada.
  • Hidroxietilcelulose (HEC): A faixa de concentração comum para o HEC em formulações de limpeza líquida é de 0.5% a 3.0%.36 Concentrações mais baixas (0.5% - 1.2%) são usadas para um leve aumento de corpo e estabilização, enquanto concentrações mais altas (1.5% - 3.0%) são necessárias para a formação de géis mais consistentes.14

É crucial entender que esses valores são apenas diretrizes. A concentração final ótima dependerá da matriz completa da formulação, incluindo o tipo e a concentração total de tensoativos, o pH, a presença de outros eletrólitos e solventes.

4.2 A Influência da Temperatura na Viscosidade

A temperatura é um dos fatores externos mais impactantes na viscosidade de um sabonete líquido. Geralmente, para sistemas espessados com sal ou polímeros como o HEC, um aumento na temperatura leva a uma diminuição na viscosidade.8 Isso ocorre porque a energia térmica adicional aumenta o movimento molecular, enfraquecendo as interações que formam a rede micelar ou polimérica.

Essa dependência da temperatura tem implicações práticas significativas. Um produto formulado para ter a viscosidade ideal a 25 °C em um laboratório pode parecer excessivamente espesso no inverno e inaceitavelmente ralo no verão, levando a uma percepção de inconsistência pelo consumidor.52 Portanto, os testes de estabilidade devem obrigatoriamente incluir a avaliação da viscosidade em uma faixa de temperaturas que simule as condições reais de armazenamento e uso (por exemplo, 5 °C, 25 °C e 40 °C).53 Formulações robustas são aquelas que mantêm uma viscosidade dentro de uma faixa aceitável em todo esse espectro de temperatura.

4.3 O Impacto de Fragrâncias e Seus Solventes na Reologia

Fragrâncias e óleos essenciais são componentes críticos para a aceitação do consumidor, mas também são notórios por seu potencial de desestabilizar a reologia de sistemas tensoativos. O efeito mais comum é a fluidificação, ou seja, uma redução significativa da viscosidade, embora aumentos inesperados também possam ocorrer.55

O mecanismo por trás desse efeito está na natureza química das fragrâncias. Elas são misturas complexas de compostos orgânicos, muitos dos quais são lipofílicos (oleosos), frequentemente dissolvidos em solventes como dipropilenoglicol ou álcoois. Quando adicionados a um sistema de sabonete líquido, esses componentes podem:

  • Particionar para as Micelas: As moléculas oleosas da fragrância se inserem no núcleo hidrofóbico das micelas de tensoativo. Isso pode perturbar o empacotamento ordenado das moléculas de tensoativo, quebrando a estrutura alongada das micelas vermiformes e fazendo-as retornar a uma forma esférica menor, o que resulta em uma queda de viscosidade.
  • Atuar como Co-solventes: Os solventes presentes na fragrância podem aumentar a solubilidade geral do sistema, o que também desfavorece a agregação micelar e, consequentemente, reduz a viscosidade.51

Devido a esse impacto significativo, a sequência de adição durante a fabricação é de suma importância. A viscosidade de uma formulação deve ser ajustada após a incorporação da fragrância, e não antes. Tentar ajustar a viscosidade primeiro e depois adicionar o perfume quase sempre resultará em um lote fora da especificação. Para mitigar esses efeitos, podem ser utilizados solubilizantes, como tensoativos não iônicos etoxilados (ex: derivados de álcool láurico etoxilado), que ajudam a incorporar a fragrância de forma mais estável no sistema aquoso, minimizando sua interação disruptiva com a rede micelar.48

4.4 Ajuste de pH como Ferramenta de Controle

O pH é uma variável de processo poderosa e, muitas vezes, subestimada no controle da reologia. Seu impacto é mais evidente em sistemas que utilizam espessantes sensíveis ao pH, como o carbômero, que requer uma faixa de pH específica (geralmente entre 5.5 e 8.0) para ser "ativado" e exercer sua função espessante.33 Fora dessa faixa, sua eficácia despenca.

No entanto, mesmo em sistemas espessados primariamente com sal, o pH desempenha um papel importante. Ele pode influenciar a carga na cabeça de certos tensoativos (especialmente os anfóteros), alterando as interações eletrostáticas e, por conseguinte, o tamanho e a forma das micelas. Estudos indicam que existe um pH ótimo para a construção de viscosidade em sistemas tensoativos, com valores em torno de 5.5 sendo citados como um ponto de equilíbrio ideal entre a eficácia do espessamento e a compatibilidade com o pH fisiológico da pele.22

Portanto, o controle preciso do pH final e sua manutenção ao longo da vida útil do produto são essenciais não apenas para a segurança e compatibilidade com a pele, mas também para garantir a estabilidade da viscosidade.53 Cada ingrediente adicionado à formulação deve ser avaliado quanto ao seu potencial impacto no pH do sistema. Extratos botânicos, certos conservantes e outros ativos podem alterar o pH e, consequentemente, a reologia, exigindo um reajuste final para garantir que o produto permaneça dentro das especificações.

5 Estabilidade, Controle de Qualidade e Resolução de Problemas (Troubleshooting)

A manutenção da viscosidade ao longo do tempo e a capacidade de diagnosticar e corrigir desvios durante a produção são marcas de um processo de desenvolvimento e fabricação robusto. Esta seção aborda os protocolos de estabilidade, o diagnóstico de problemas comuns e as estratégias de correção.

5.1 Protocolos de Testes de Estabilidade Focados em Viscosidade

Os testes de estabilidade são procedimentos preditivos projetados para avaliar como um produto se comporta sob diversas condições ambientais ao longo do tempo, permitindo determinar seu prazo de validade e as condições ideais de armazenamento.5 Para sabonetes líquidos, o monitoramento da viscosidade é um parâmetro crítico nesses estudos.

Um protocolo de estabilidade robusto deve incluir:

  • Teste de Estabilidade Acelerado: As amostras são submetidas a condições de estresse para acelerar as reações de degradação. Uma prática comum é armazenar as amostras em estufas com temperaturas elevadas (ex: 40 °C ± 2 °C) e em refrigeradores (ex: 5 °C ± 2 °C).60
  • Ciclos de Congelamento/Descongelamento: As amostras são submetidas a ciclos alternados de baixa e alta temperatura (ex: -10 °C por 24 horas, seguido de 25 °C por 24 horas, repetido por 3 ciclos). Este teste é particularmente útil para avaliar a estabilidade da estrutura micelar ou da rede polimérica.
  • Teste de Estabilidade em Tempo Real: As amostras são armazenadas em condições normais de prateleira (ex: 25 °C ± 2 °C) e avaliadas em intervalos mais longos (ex: 3, 6, 12, 24 meses).

Em cada ponto de verificação (tempo zero, 1 mês, 2 meses, 3 meses, etc.), uma série de parâmetros deve ser avaliada, com a viscosidade sendo um dos principais. Outros parâmetros incluem pH, aparência (cor, clareza), odor e testes microbiológicos.5 Um critério de aceitação comum é que a viscosidade não deve variar mais do que um limite pré-definido (ex: ± 20%) em relação ao valor inicial. Uma variação maior indica uma instabilidade reológica que precisa ser investigada.

5.2 Diagnóstico de Problemas Comuns

A produção de sabonetes líquidos pode apresentar desafios reológicos. A seguir, um guia para diagnosticar as causas mais comuns:

Problema: Viscosidade Baixa ou "Produto Ralo"

  • Causa Provável 1: Excesso de Sal. O lote pode ter ultrapassado o pico da curva de sal.15
  • Causa Provável 2: Impacto da Fragrância. A fragrância ou seus solventes podem ter quebrado a estrutura micelar.55
  • Causa Provável 3: pH Incorreto. Especialmente para sistemas com carbômero, pH fora da faixa de ativação.33
  • Causa Provável 4: Temperatura Elevada. Medição com o produto ainda quente.52
  • Causa Provável 5: Matéria-Prima Fora de Especificação. Concentração de ativos menor que a esperada.

Problema: Viscosidade Excessiva ou "Produto Gelatinoso"

  • Causa Provável 1: Excesso de Espessante. Erro de cálculo ou pesagem.61
  • Causa Provável 2: Baixa Temperatura. Medição do produto muito frio.52
  • Causa Provável 3: Interação Inesperada. Sinergia não prevista entre ingredientes.

Problema: Instabilidade (Separação, Turvação)

  • Causa Provável 1: Viscosidade Insuficiente. Não alta o suficiente para manter suspensão.4
  • Causa Provável 2: Turvação por Excesso de Sal. Superssalinidade diminui solubilidade.62
  • Causa Provável 3: Óleos Não Saponificados. Excesso de óleos (superfatting) em saponificação.63

A abordagem de diagnóstico mais eficaz é a desconstrução sistemática da fórmula. Se um lote apresentar problemas, o primeiro passo é verificar a qualidade das matérias-primas. Em seguida, preparar uma versão simplificada da fórmula em laboratório (ex: apenas água, tensoativos e sal) para confirmar se o comportamento base está conforme o esperado. Depois, adicionar os outros componentes um a um, medindo a viscosidade a cada etapa para isolar o ingrediente causador do desvio.

5.3 Guia de Correção para Lotes com Excesso de Sal

Um dos problemas mais comuns e custosos na produção é um lote que ficou ralo devido à adição excessiva de sal. Felizmente, na maioria dos casos, esse lote pode ser recuperado através de um processo de diluição controlada. Descartar o lote deve ser o último recurso.

O princípio da correção é diluir a concentração de sal no sistema para trazê-la de volta para a região ascendente da curva de sal. Isso não deve ser feito simplesmente adicionando água, pois isso também diluiria os tensoativos e outros componentes, resultando em um produto de baixa qualidade. A abordagem correta é a diluição com uma base de sabonete não espessada.65

Procedimento de Correção em Laboratório (Escala Piloto):

  1. Preparar uma "Base de Correção": Produza uma pequena quantidade da mesma formulação do lote problemático, mas sem a adição de cloreto de sódio.
  2. Amostragem: Pegue uma amostra representativa e pesada do lote ralo (ex: 100 g). Meça e registre sua viscosidade inicial.
  3. Titulação Reológica: Comece a adicionar a "Base de Correção" à amostra do lote ralo em pequenos incrementos conhecidos (ex: 5 g de cada vez). Após cada adição, misture bem e meça a viscosidade.
  4. Plotar a Curva de Correção: Registre a viscosidade em função da quantidade de base de correção adicionada. Você observará a viscosidade aumentar, atingir um novo pico e, eventualmente, começar a cair novamente.
  5. Determinar a Proporção Ótima: Identifique a quantidade de base de correção que resultou na viscosidade alvo. Calcule a proporção entre o lote ralo e a base de correção (ex: 100 g de lote ralo para 30 g de base de correção, ou uma proporção de 10:3).
  6. Escalonamento para a Produção: Use a proporção ótima determinada em laboratório para calcular a quantidade de "Base de Correção" necessária para corrigir o lote inteiro no tanque de produção. Adicione a base lentamente, sob agitação, monitorando a viscosidade até atingir o valor desejado.

Este método sistemático transforma um erro de processo em um problema solucionável, economizando custos significativos de matéria-prima e descarte.

6 Análise Comparativa e Recomendações Estratégicas de Formulação

A seleção do modificador de reologia não é apenas uma escolha técnica, mas uma decisão estratégica que influencia o custo, o desempenho, o perfil sensorial e o posicionamento de mercado do produto final. Uma análise comparativa dos principais espessantes revela os pontos fortes e fracos de cada abordagem.

6.1 Avaliação Comparativa de Modificadores de Reologia

A decisão sobre qual espessante utilizar deve ser baseada em uma avaliação holística que considere múltiplos fatores. A tabela abaixo consolida as características chave do Cloreto de Sódio, Carbômero e Hidroxietilcelulose (HEC) para facilitar essa decisão.

Tabela 1: Comparativo de Modificadores de Reologia para Sabonetes Líquidos

Parâmetro Cloreto de Sódio (NaCl) Carbômero (Polímero de Ácido Acrílico) Hidroxietilcelulose (HEC)
Mecanismo de Ação Crescimento de micelas vermiformes por blindagem de carga.17 Expansão de cadeias poliméricas por repulsão eletrostática após neutralização.18 Emaranhamento físico de cadeias poliméricas e ligação de hidrogênio com a água.41
Origem Mineral (Inorgânico). Sintética. Natural (derivado de celulose).
Faixa de Uso Típica 1% - 4%.15 0.1% - 0.5% (até 2.5% para géis).18 0.5% - 3.0%.36
Custo Relativo Muito Baixo. Moderado a Alto. Moderado a Alto.
Dependência de pH Baixa (mas a eficácia pode variar com o pH do sistema tensoativo).22 Alta (requer neutralização para pH ~5.5-8.0 para ser eficaz).34 Muito Baixa (estável em ampla faixa de pH 2-12).36
Tolerância a Eletrólitos N/A (é o próprio eletrólito). Sensível ao excesso ("salting out").20 Baixa (a viscosidade diminui significativamente na presença de sais).19 Alta (a viscosidade é pouco afetada por níveis moderados de eletrólitos).36
Clareza Boa (pode causar turvação em excesso).62 Excelente (ideal para géis cristalinos).18 Boa a Moderada (pode conferir uma leve opalescência).44
Perfil Sensorial / Fluxo Depende do sistema tensoativo. Fluxo curto, limpo, quebra rápida. Pode ter sensação pegajosa em altas concentrações.19 Fluxo suave e contínuo. Pode ser "longo" ou "fibroso" ("baba") se não formulado corretamente.14
Capacidade de Suspensão Nula a Muito Baixa. Excelente (alto valor de escoamento, suspende partículas, esferas, etc.).18 Baixa a Moderada.68
Aplicações Ideais Sabonetes líquidos econômicos, shampoos e produtos de limpeza com base em tensoativos aniônicos. Géis cristalinos, sabonetes premium, produtos com partículas em suspensão, formulações de baixa irritação. Sabonetes "naturais", "sulfate-free", produtos hipoalergênicos, formulações com pH extremo ou alto teor de eletrólitos.

6.2 Recomendações para a Seleção do Espessante Ideal

Com base na análise comparativa, é possível traçar estratégias de formulação para diferentes tipos de produtos, reconhecendo que a escolha do espessante define a arquitetura fundamental da fórmula.

  • Para Sabonetes Econômicos (Mercado de Massa): A abordagem mais viável economicamente é a combinação de tensoativos aniônicos (SLES) e anfóteros (CAPB) espessada com Cloreto de Sódio. O desafio principal é o controle do processo para evitar "salting out".
  • Para Sabonetes Premium e Géis "Crystal Clear": O Carbômero é a escolha preferencial devido à sua clareza e fluxo curto. Ideal para apelo visual sofisticado e suspensão de partículas. Requer baixo teor de eletrólitos e controle de pH.
  • Para Sabonetes "Naturais", "Sulfate-Free" ou Hipoalergênicos: A Hidroxietilcelulose (HEC) ou outras gomas naturais são as mais adequadas. Sua robustez em pH e tolerância a eletrólitos são ideais para sistemas de tensoativos alternativos. O apelo "natural" alinha-se ao marketing.
  • Estratégias Híbridas: O uso combinado pode otimizar custo, estabilidade e sensorial. Por exemplo, uma pequena quantidade de HEC para estabilidade base, com ajuste fino de viscosidade via sal.

A tendência na formulação moderna se afasta do uso de um único espessante "bruto" e se move em direção à construção de redes reológicas inteligentes e multifuncionais. O objetivo não é apenas atingir um número de viscosidade, mas sim projetar uma textura que seja estável, funcional e sensorialmente excepcional, utilizando a sinergia entre tensoativos, polímeros e eletrólitos.

Conclusão

O controle de viscosidade em sabonetes líquidos é uma disciplina complexa e multifacetada que se situa na interseção da química de surfactantes, da física de polímeros e da psicologia do consumidor. A análise aprofundada revela que a viscosidade não é um mero atributo de "espessura", but uma propriedade reológica fundamental que governa a estabilidade, a funcionalidade, a percepção de qualidade e, em última análise, o sucesso comercial de um produto.

A transição de uma compreensão básica para uma aplicação estratégica da reologia é o que diferencia uma formulação comum de uma excepcional. Isso envolve:

  • Projetar para a Funcionalidade: Reconhecer que o comportamento não-newtoniano shear-thinning é um objetivo de design deliberado.
  • Decodificar a Percepção: Entender que a reologia é uma ferramenta de comunicação não verbal que transmite atributos de qualidade, luxo e eficácia.
  • Dominar os Mecanismos: Compreender os princípios moleculares distintos por trás do espessamento por eletrólitos, polímeros sintéticos e polímeros naturais.
  • Controlar as Variáveis Críticas: Reconhecer que a reologia é sensível a fatores como temperatura, pH, fragrâncias e sequência de adição.

A escolha do modificador de reologia — seja o econômico cloreto de sódio, o elegante carbômero ou o robusto HEC — é uma decisão estratégica fundamental. O futuro da formulação aponta para abordagens cada vez mais sofisticadas, utilizando sistemas sinérgicos e híbridos. Para o químico formulador, o domínio da reologia não é apenas uma habilidade técnica; é a capacidade de transformar ciência em uma experiência de consumo memorável e bem-sucedida.

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